quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O JARDINEIRO


Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Sempre tive uma vontade oculta de ser jardineiro: mexer com a terra, afundar os pés e as mãos em suas entranhas, sentir-lhe o calor e o frio, inebriar-me de seus cheiros, seguir as estações do ano, contemplar o sol e a chuva, lançar a semente e esperar a lenta maturação da vida... Mas especialmente cultivar flores. Quem sabe, um dia, ser uma entre elas!
Mas a profissão de jardineiro tem suas armadilhas. Sem dúvida, é gratificante ver as plantas se erguerem do solo, produzir botões e estes se abrirem em pétalas de diferentes cores e tonalidades. Em pouco tempo, porém, elas murcham, secam, desaparecem. Com a mesma voluptuosidade com que buscam o céu azul, a luz e o ar livre, também se curvam encarquilhadas sobre o chão, morrem e caem no esquecimento. Menos mal que deixam na terra suas sementes e que estas, em potencial, contêm novas flores.  Cedo ou tarde, haverão de romper a superfície da terra e se reerguer para a vida.
Outra armadilha é que, após preparar o solo, lançar a semente, e zelar diariamente pela sua gestação, o jardineiro pode surpreender-se com alguma flor que nasce fora do jardim cultivado. Tanto carinho e cuidado, para ver o broto ressurgir em meio ao mato e aos espinhos, ou entre as pedras do caminho. Flores são seres rebeldes, crescem não raro onde menos se espera, longe de nosso alcance. Às vezes são mais vivas e vigorosas onde a terra é mais agreste.
Ninguém como o jardineiro se dá conta de como a flor é bela e frágil. Ou melhor, bela porque frágil. Oferece seu brilho intenso e colorido, mas sempre provisório. Tão forte quanto fugaz, talvez porque possui uma estranha consciência orgânica de que sua passagem pela vida é breve. Logo terá de desaparecer! O mesmo ocorre com o perfume. A flor exala-o com tanta intensidade que chega a embriagar o viajante que passa. Mas fenece junto com ela. Também neste caso é verdade que, apesar de resistir mal à tormenta, a beleza e o perfume da flor jamais se apagam da memória de quem os experimentou.
Mas o cultivador de flores conhece outros segredos. Sabe que cada uma delas é única, incomparável e insubstituível. Inútil perguntar qual a mais bonita, a mais sedutora a mais cheirosa. Todas o são, embora distintas. Ou melhor, todas são belas justamente porque distintas! É a diversidade de formas e aromas, cores e tons que torna encantado o jardim.
O senhor do jardim sabe, ainda, que cultivar flores não é tomar posse delas. Se tentar fazê-lo, mata-as, perdendo-as para sempre. De resto, essa relação com as flores reproduz-se na relação com outros seres vivos, plantas ou animais, como também na relação entre as pessoas. Cultivar implica não em dominar e possuir, mas deixá-las livres. Livres para que outros possam desfrutar de seu conhecimento e riqueza. A posse é a negação do amor.
O jardineiro é diferente do colecionador. De fato, O cultivador de carros de luxo, de pérolas preciosas, de contas bancárias, de objetos exóticos, como também o cultivador de mágoas ou ressentimentos, de ódio ou vingança, torna-se escravo daquilo que cultiva. Constrói sua própria prisão. “Onde está teu tesouro, aí está teu coração”, diz o sábio Jesus. Ao contrário do colecionador, o jardineiro aprende que somente há de colher as flores que cultiva com o toque mágico de suas mãos, rudes e ternas a um só tempo. Mas ele as colhe com o olhar, com o deslumbramento da alma. Prendê-las é condená-las à morte.
E assim, livre e bela, a flor pode entregar-se gratuitamente a todos que visitam o jardim. Seu brilho fala de Deus quando guarda as gotas do orvalho noturno ou abre suas pétalas à luz matutina, quando dança ao ritmo da brisa suave ou oferece seu néctar ao beija-flor, o qual, a seu turno, transportará o pólen para fecundar outras flores, alimentando assim o ciclo interminável da vida.
Unida ao sorriso da criança, ao murmúrio ou ao rugido da água, ao canto do pássaro, à luz longínqua da estrela, ao sol que chega ou que parte, ao olhar de quem ama ou à lágrima de quem ainda é capaz de chorar, aos corações sedentos de justiça ou às mãos que combatem pelos direitos humanos – a flor integra a grande orquestra da criação. Instrumentos distintos, que tocam notas diferentes, mas exprimem a beleza de uma sinfonia comum.
Cultivar flores é cultivar relações novas, livres, autênticas, transparentes. Relação consigo mesmo, com o outro e com os outros, com a história de um povo, com o meio ambiente, com o Transcendente. Essas dimensões, embora distintas, não constituem instâncias cerradas uma à outra. Ao contrário, todas se entrelaçam inextricavelmente. Todas se interpelam e se integram, se enriquecem e se complementam. O cultivo de uma repercute no crescimento das demais, o descuido de uma significa o esvaziamento de todo o ser.
Como ponto final, vale sublinhar, uma vez mais, a lição da flor: porque é bela, fugaz e frágil, ela brilha e se apaga, revela-se e se esconde, aparece e desaparece, como o Amado que se oculta para estimular a busca e nutrir um amor fiel e persistente.
Enviado por Pe. Paulo Caovila por email

Um comentário:

  1. Cada um tem uma espécie de Jardineiro dentro de si! O melhor jeito de semear bem é usar a fé como base e a água como eucaristia pra poder fertilizar bem o jardim de nosso coração! Essa é a vontade do pai!!!

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